Sempre ouvimos falar do perigo representado pelas pandemias. Era consenso entre os cientistas que um possível surto de gripe, causado por um vírus semelhante ao H1N1, responsável pela gripe aviária, tinha grandes possibilidades de começar na Ásia. Ou que vírus causadores de febre hemorrágica, como o Ebola ou o Marburg poderiam se espalhar pelo mundo a partir da África.
Hoje vemos como foi estúpido pensar dessa maneira. Porque ninguém nunca pensou que uma ameaça dessas não poderia se esconder em outros locais que não África ou Ásia? Eu creio que o cinema contribuiu para essa cegueira. Boa parte dos filmes sobre pandemias, ou mostravam que a infestação começou em algum país asiático, ou que até surgiu nos EUA, mas que foi levada para lá por algum individuo ou animal contaminados vindo da África.
Existiam muitas áreas de selva inexploradas pelo mundo, e o avanço da chamada civilização para dentro delas fez com que os cientistas achassem novas espécies de animais e plantas, que continham novas substâncias, responsáveis por uma verdadeira revolução na medicina. Tribos indígenas das quais nunca tinha-se ouvido falar, foram descobertas.
Na época em que o homem europeu chegou às terras das Américas, trouxe consigo vários microrganismos, contra os quais, os habitantes locais não tinham defesa imunológica. O resultado foi a doença e morte em larga escala. Agora, parece que os últimos descendentes desses povos iriam ser responsáveis pela "vingança".
Numa das expedições internacionais na Amazônia Brasileira, mais precisamente no estado do Amazonas, uma equipe de 20 pessoas, entre antropólogos, biólogos, fotógrafos e auxiliares, encontrou uma tribo ainda não catalogada. Após um ou dois dias de tentativas, os indígenas permitiram a aproximação dos integrantes da expedição. Como é de praxe,os dois lados ficaram encantados. Tanto os integrantes da expedição, por encontrar uma tribo intocada, como a própria tribo, por ver pessoas tão estranhas cheias de "objetos mágicos". Após mais alguns dias, a expedição estava de volta ao ponto de origem, Manaus, para organizar todo o material recolhido. Alguns integrantes foram embora de Manaus, para as suas cidades de origem, tanto no Brasil como em outros países Foi então que um dos participantes da viagem ficou gripado. Mal havia chegado à cidade e este começou a ter os sintomas de uma gripe comum. Ele era um dos auxiliares, que morava numa das áreas mais pobres da capital amazonense. Depois de algumas horas, o que eram só espirros e boca seca, evoluiu para uma febre altíssima, vômito e diarreia, além de dificuldade para respirar. Sua esposa e filhos o levaram para um hospital público. O estado do hospital era precário, com gente em macas espalhadas pelos corredores. O médico o examinou, depois de várias horas de espera, disse que era cólera, receitou a ingestão de líquidos e foi embora. Logo, o indivíduo começou a ter convulsões, pois a febre era tão alta que começou a desnaturar as proteínas cerebrais. Os enfermeiros demoraram a aparecer, pois muitos eram os pacientes que precisavam de atenção naquele caos. Quando finalmente chegaram, ele estava morto. A esposa e os filhos voltaram, desolados, para casa. Três dias depois tanto a mulher quanto as crianças começaram a ter os mesmos sintomas de gripe. Eles procuraram o hospital, e novamente tiveram que esperar muito por atendimento, pois, dessa vez, além do caos habitual, haviam muitas pessoas gripadas.
Enquanto isso, os demais integrantes da expedição, em Manaus, e em outras cidades brasileiras e de outros países, começaram a gripar. Assim como na gripe comum, os espirros espalhavam os vírus pelo ar, e também por superfícies contaminadas, fluidos corporais, fezes e urina, contaminando outras pessoas. Metrô, trens, taxis, aviões, carros, salas, e outros ambientes confinados aceleravam a disseminação.
Um dos órgãos da imprensa amazonense que estava fazendo mais uma reportagem sobre as péssimas condições dos hospitais públicos descobre que existe muitos casos de uma gripe muito forte, inclusive entre membros da equipe médica e que esta gripe tem sido responsável por muitas mortes. O que inicialmente foi atribuído às condições hospitalares degradantes, rapidamente foi posto de lado quando em hospitais particulares em boas condições as pessoas também estavam gripando, e boa parte delas morrendo, pois outros integrantes da expedição deram entrada nestes locais. No dia seguinte, jornais e programas de tv da cidade divulgaram que um surto de gripe estava atacando a cidade, e que sua origem era desconhecida. Logo o fato virou manchete em rede nacional. Vários especialistas em transmissão de doenças foram consultados e a maioria dizia que os casos em Manaus eram misteriosos, mas que não geravam grandes preocupações por enquanto. Imediatamente, os órgãos de saúde recolheram amostras das vítimas para fazer a identificação do microrganismo que estava causando a doença.
Enquanto isso, em outras cidades brasileiras de também de outros países, as primeiras mortes começaram a acontecer, e virar manchete nos noticiários. Isso despertou a atenção de órgãos como o CDC (Center of Disease Control, ou Centro de Controle de Doenças, dos EUA) e da OMS (Organização Mundial de Saúde).
À medida em que os dias iam passando, novos casos da gripe apareceram em muitas outras cidades, e a aumentar nas cidades já contaminadas. Após 15 dias do início da gripe, o número de casos no mundo já tinham passado dos 200 mil, e a taxa de mortalidade era de 50%, mas entre as crianças, pessoas com outros problemas e saúde e idosos, passava dos 80%. Descobriu-se que a gripe era causada por uma variante desconhecida do vírus da gripe, semelhante à H2N2. Após mais investigações, chegou-se a conclusão de que o vírus era de origem animal, mas tinha feito o "salto" para a espécie humana há muito tempo. Isto significava que havia um grupo humano que já convivia com o vírus e já tinha se adaptado à ele. Alguns cientistas sugeriram que este poderia vir de grupos humanos isolados, como tribos amazônicas não descobertas. Logo, descobriu-se que o surto começou com membros de uma expedição à Amazônia Brasileira que tinha descoberto uma tribo isolada. A doença recebeu então o nome de Febre Amazônica.
Mais e mais pessoas foram adoecendo, e nas cidades onde o surto de gripe havia se originado, os hospitais não tinham mais condições de atender ninguém. Já eram tantos infectados que era impossível fazer uma quarentena. E o que dificultava ainda mais a ação das autoridades sanitárias era que o período de incubação do vírus era longo o suficiente para que as pessoas contaminadas, mas sem sintomas, pudesse alcançar qualquer lugar do planeta.
Depois de um mês, muitas cidades decretaram estado de calamidade, pois, a quantidade de doentes era tão grande que os serviços essenciais começaram a falhar. E uma onda de pânico tomou conta da população. Muitos, com medo da doença, fugiam das cidades infectadas. Embora as forças armadas fossem mandadas a esses locais, os soldados se recusavam a ir, por medo de contaminação. A cada dia, milhares morriam e novas cidades entravam na lista dos locais contaminados.
Antes da pandemia de Febre Amazônica começar, eu e meu núcleo sobrevivencialista conversávamos muito sobre este tema, e no que faríamos se tal coisa realmente acontecesse. Juntamos nossas economias e compramos uma propriedade que ninguém queria, devido à sua localização, no semi-árido nordestino, sem nenhuma fonte de água próxima, sem solo adequado à agricultura e pela distância das cidades mais próximas. A propriedade era cercada, tinha cerca de 5 mil metros quadrados e o relevo era praticamente plano. Tinha também, duas casas, em razoável estado de conservação internamente, mas bem arruinadas do lado de fora, e um galpão, também arruinado. Para se chegar, enfrentava-se uma trilha de uns 5km por dentro da caatinga. A trilha começava numa estrada asfaltada, mas com pouco movimento Fomos, ao longo dos meses, instalando tudo o que precisávamos para viver lá. Cisternas para captação de água das chuvas, sistemas de geração de energia elétrica baseados em energia solar e eólica. Além disso, criamos áreas para a criação de animais. Cabras, coelhos, galinhas e codornas foram as nossas escolhas. Como o solo era realmente muito ruim para plantação, resolvemos preparar uma área e trazer solo fértil de outro local, e usar sistemas de irrigação por gotejamento, além de plantar culturas que exigissem pouca água. Numa das casas, criamos uma despensa e entupimos com toda a sorte de alimentos não perecíveis, além de suprimentos médicos, fontes de iluminação e algumas armas, com bastante munição. Investimos em um sistema de internet via satélite que, embora lento e caro, nos permite a privacidade desejada. Instalamos também um sistema de comunicação via rádio, até porque na região não havia sinal de nenhuma das operadoras de celular disponíveis Todos os nossos esforços foram feitos sem contratar praticamente ninguém que não pertencesse ao grupo. Eu e outros membros resolvemos ficar por lá de vez, pois nossos trabalhos poderiam ser feitos via internet. Outros, precisavam ficar na cidade, mas combinamos que, em qualquer mínimo sinal de crise, todos deveriam imediatamente ir para o, digamos, refúgio, levando o mínimo de coisas, pois tudo o que precisávamos para viver já estava estocado lá.
Assim, quando a imprensa noticiou os primeiros casos da Febre Amazônica, resolvemos que todos viriam para o refúgio e ficaríamos juntos por algum tempo para ver como a situação evoluiria. Foi a decisão mais correta, pois, com o passar do tempo, as grandes e pequenas cidades ficaram contaminadas, a infra-estrutura entrou em colapso, o pânico e a violência se alastraram. Posso resumir a sequência de acontecimentos da seguinte maneira:
Nas primeiras semanas, tudo estava quase normal, a não ser que o principal assunto dos noticiários era a Febre e os esforços dos governos mundiais para evitar mais casos, e também para desenvolver algum tipo de vacina.Mas, com o passar das semanas, uma a uma, as grandes capitais brasileiras foram se desintegrando. À medida em que a doença avançava, os serviços como energia elétrica, água, comunicações e outros iam parando. As mortes eram de milhares por dia, por causa do vírus e também por conta da violência, pânico, fome, acidentes. Logo, as redes nacionais de televisão saíram do ar. As rádios resistiram um pouco mais, mas rapidamente foram silenciando. As das cidades mais próximas a nós, silenciaram todas de uma vez, possivelmente por falta de energia. A nossa internet via satélite logo parou de funcionar, provavelmente por falta de gente ou energia. Mas, mesmo antes disso, muitos sites já se tornavam inacessíveis. Não sabíamos o que estava acontecendo fora do Brasil. As últimas notícias indicavam que o vírus também tinha atingido algumas das principais cidades. Nosso único método de comunicação se tornou o rádio. Devido ao método que escolhemos para gerar nossa energia, e pela nossa opção de ficarmos desconectados do sistema, podíamos nos dar ao luxo de ligá-lo durante algumas horas por dia. Conseguimos contatos esporádicos com pessoas no Brasil e em outros países. Uma das pessoas com quem falamos era do interior de São Paulo e, como nós, ele e seu grupo se isolaram em um refúgio aos primeiros sinais da crise. Falou que mesmo nas pequenas cidades, o caos imperava, e que não havia energia. Mas que não sabia de muito mais sobre o que estava acontecendo. Conseguimos contato também com pessoas do Japão, do Irã e dos EUA, mas por poucos minutos. Nesses países, também o caos imperava. Passados mais alguns dias, não conseguimos mais contato com ninguém.
Estávamos bem estruturados, mas tínhamos um problema muito sério, que era a aflição das pessoas para saber o estado de seus entes queridos. Tios, sobrinhos, irmãos, pais, filhos, amigos. Todos eram fonte constante de preocupação. O desejo de saber se eles tinham sobrevivido era muito intenso. Convidamos-os a seguir nossa filosofia de vida. Mas fomos chamados de loucos, paranoicos, pessimistas. Fomos desprezados e ridicularizados. Falei para todos que eles tinham feito a escolha deles, e que era perigoso sair do refúgio, por não sabermos como estavam as cidades e pela possibilidade de revelar o local onde estávamos instalados. No fim, a lógica falou mais alto, especialmente quando me referi aos filhos de cada um dos membros do grupo e o risco que eles poderiam correr. Falei também que, futuramente poderíamos mandar alguém para investigar a situação das cidades, muito embora eu achasse que tal investigação poderia ser perigosa caso alguém contaminado fosse encontrado. Tomamos também outras medidas. Embora estivéssemos bem isolados, cobríamos as janelas à noite para evitar que as luzes atraíssem a atenção de alguém que porventura tivesse passando pela estrada. As chances eram mínimas, mas nunca se sabe. Todas as atividades que produziam barulho eram feitas, na medida do possível, dentro das casas. Mantivemos o exterior das casas com a aparência original, ou seja, arruinado, e, quando nós nos instalamos, no começo da crise, escondemos da melhor maneira possível, a trilha que sai da estrada até o refúgio. Durante todo o dia, sempre alguém caminhava pelo enorme terreno da propriedade, atrás de algum sinal suspeito. Como já disse, as chances eram mínimas de alguém descobrir o nosso refúgio. Mas não queríamos facilitar. Os carros que usamos para chegar ao refúgio estavam escondidos no galpão. Havia também vários galões de álcool, para servir de combustível para os carros. Embora a gasolina apresente maior rendimento, o álcool demora muito mais a degradar. Isso pode garantir a nossa mobilidade por um período bem mais longo, embora soubéssemos que, eventualmente, os carros teriam que ser abandonados, pois além da deterioração do combustível, faltariam peças de reposição. Para isso, tínhamos algumas bicicletas.
Apesar de termos nos preparado, em termos de estrutura física, víveres, alimentação, remédios e outras necessidades, nada tinha nos preparado para a sensação de isolamento total. Acreditávamos que a sociedade um dia iria entrar em colapso, como entrou, e que simplesmente sobreviveríamos e tocaríamos nossa vida em nosso refúgio. Mas, como o velho ditado diz, só vemos que as pequenas coisas do dia-a-dia são importantes quando não podemos mais tê-las. Ver um jogo de futebol, uma corrida de Fórmula 1, um programa sobrevivencialista em algum canal por assinatura, ouvir alguma música, viajar, pagar contas, trabalhar, tudo isso tinha desaparecido junto com a sociedade.
Depois de seis meses do início da pandemia mortal que assolou o planeta, e sem contato com ninguém, resolvemos ir até as cidades mais próximas para ver como estava a situação. Imaginamos que a Febre Amazônica já deveria ter se extinguido, e que os sobreviventes, caso encontrássemos algum, já deveriam estar livres do vírus há muito tempo. Fomos eu e mais quatro integrantes do grupo. Saímos com um dos carros, chegamos á estrada. Nenhum movimento. Rodamos cerca de 200km. Todas as cidadezinhas por que passamos estavam abandonadas, destruídas. Mas, quando nos preparávamos para voltar, vimos uma família. Um homem, uma mulher e duas crianças. Paramos, como as armas que tínhamos levado ao alcance da mão. Começamos a conversar e eles nos disseram que eram os únicos sobreviventes naquela região. Eles tinham saído de João Pessoa, de carro, fugindo de assaltantes e do pânico. Tinham chegado à cidade onde se encontravam e lá permanecido pelos últimos cinco meses e meio. Estavam todos magros, sujos. Estavam comendo alimentos que tinham encontrado num supermercado da cidade, mas que tudo já estava acabando. Disseram que já encontraram a cidade sem pessoas vivas. Quando perguntei se eles haviam contraído a doença, eles disseram que não, que apenas haviam ficado gripados, mas uma gripe comum. Como levamos alguns mantimentos, para o caso de nossa jornada durar mais do que o previsto, resolvemos deixar alguma coisa com eles e ir embora. Não falamos nada sobre nosso refúgio, pois não sabíamos ao certo o que esperar. Voltamos no fim do dia e contamos a novidade aos outros. Ficamos discutindo sobre o que deveríamos fazer. Eu fui contra levá-los para nosso refúgio, pois não os conhecia, não confiava neles. Discutimos durante dois dias, até que resolvemos fazer uma votação. No momento em que eu ia proferir o meu voto, espirrei... E me veio a mente o que eles disseram:
- Não contraímos a doença. Apenas uma gripe comum...
Muito bom, cara!
ResponderExcluir