segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Sobreviver Não É Divertido!

Imagine a seguinte situação:

Você é um turista e está a bordo de um barco à noite, no Rio Amazonas. Como um bom sobrevivencialista, sempre anda com o seu EDC. E como está indo visitar a Floresta Amazônica, está muito bem preparado. Porém, uma tragédia acontece. Enquanto você estava na amurada do barco, relaxado, ele bate em um obstáculo, você perde o equilíbrio e cai na água. Grita por socorro, mas como já é tarde da noite, ninguém viu você cair, e ninguém te escuta. Para o seu desespero, o barco vai sumindo na paisagem. Não lhe resta outra opção senão nadar até a margem mais próxima.
Após alcançar a margem, você está cansado e com frio, pelo contato prolongado com a água. Analisa a sua situação. Nos seus bolsos você tem a sua carteira, seu celular (totalmente inútil) e algumas chaves.Também tem seu relógio. Para o seu azar, a sua faca de sobrevivência desapareceu, provavelmente por causa da queda na água ou então durante a natação. O que você faria?
Em primeiro lugar, você teria que se aquecer, e a melhor maneira seria acender um fogo. Até porque isso também ajudaria a espantar animais perigosos e até funcionaria como um sinalizador para possíveis embarcações. Mas como fazer? Primeiro, você teria que ir para uma área mais seca, pois margens dos rios geralmente são bem úmidas. Para a sua sorte, a mata não é tão fechada e você consegue se afastar alguns metros do rio. Como você tem bastante experiência sobrevivencialista, pensaria em usar atrito para fazer fogo. Mas aí começam a surgir as dificuldades. Como encontrar no escuro galhos adequados para isso? Como cortá-los sem uma faca? Simplesmente não há como fazer isso!
Neste caso, é melhor esquecer o fogo. Talvez você pensasse em um abrigo. Mas, se não há nem como cortar galhos para tentar fazer um fogo, imagine para construir um abrigo! E agora?
Talvez o melhor a fazer seria subir em alguma árvore e ficar esperando o dia amanhecer, para daí, quem sabe, tentar ser visto ou ouvido por alguma embarcação navegando pelo rio. E aí vem a dúvida: Será que tem bichos peçonhentos nas árvores? Será que não é melhor ficar no solo mesmo? Afinal, com a escuridão reinando, subir em uma árvore pode ser arriscado demais. Talvez o melhor seja ficar o mais quieto possível, economizando energia até o amanhecer, pois sabe-se lá quando e se virá algum resgate.
E assim, se passam lentamente horas de uma espera angustiante. O frio das roupas molhadas e as picadas de mosquito são os piores problemas. Sem falar nos constantes e assustadores barulhos desconhecidos da selva noturna. Finalmente o dia amanhece. E, o frio que tomou conta da noite vai dando lugar à um calor escaldante. Você começa a ficar com fome e sede. Não dá para beber diretamente a água do rio, pois ela pode estar contaminada com microrganismos perigosos. De repente, você ver um barco pequeno passando ao longe. Grita, mas ele está distante, e o barulho do motor de popa deve ser alto à bordo. Então, você lembra do celular no bolso. Surge a ideia de usar o reflexo da luz do sol na parte de vidro dele. E não é que dá certo? O piloto do barco vê o brilho e vai em sua direção...

A situação acima descreve o que provavelmente aconteceria com quem caísse na água numa situação dessas. E, mesmo com conhecimento sobrevivencialista, à noite, sem nada para usar, não haveria muito o que fazer. E, quanto ao reflexo do celular, isso também exigiria um bom punhado de sorte, pois vários fatores estão envolvidos, como a posição do sol e a percepção das tripulações de barcos (se é que passaria algum), reflexo do sol na água, etc.
Mas talvez o mais importante que devemos perceber é que muitas vezes a atitude mais eficiente é simplesmente esperar, não fazer nada. Imagine se você fosse tentar subir numa árvore à noite, caísse e quebrasse uma perna? Imagine se você tentasse se deslocar pela mata à noite, gastando muita energia e correndo o risco de ser atacado por animais peçonhentos ou de simplesmente ficar frustrado por não conseguir atravessar a vegetação?
Claro que, com o passar do tempo, se um resgate não aparecesse, você seria obrigado à agir para, ao menos, encontrar comida e água que pudesse beber. Mas imagina-se que em uma situação dessas, a alimentação teria que ficar restrita à eventuais frutas (ou talvez um ou outro tapuru ou inseto). A água talvez viesse das constantes chuvas (se bem que ultimamente algumas regiões da Amazônia tem enfrentado secas severas). Seria bom também desejar que a mata não fosse tão fechada, a ponto de impedir a passagem de alguém sem um instrumento cortante para abrir trilhas...
Ao contrário do que mostram a maioria das publicações sobrevivencialistas, muitas das quais exaltam o fábrico de instrumentos improvisados, preparo de armadilhas, acendimento de fogo por atrito, entre outras habilidades, dando a entender que uma situação de sobrevivência exigiria muita ação, a dura verdade é que precisaremos é de extrema paciência, extrema frieza, extremo bom-senso. Claro que é importante ter diversas habilidades, mas, mais importante ainda é perceber que existem situações nas quais será impossível utilizá-las.
A sobrevivência não é um show. Não é divertida. Os momentos de ação, em qualquer cenário, serão pouquíssimos. A inação, a espera e a paciência é que serão a regra em situações de crise.

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Inseguros...

Imagine a seguinte situação:

Vamos ter que sair de casa, por um motivo qualquer. A primeira coisa que faço é verificar se todas as portas e janelas estão devidamente trancadas. Depois, tranco a porta da frente (com 2 fechaduras tetra, além da normal), aciono o alarme contra invasores e vou para a garagem. Entro no carro, travo as portas, coloco o cinto de segurança. Mas, antes de ligar o motor, pego o celular e acesso a imagem da câmera externa, para ver se está tudo tranquilo. Só então, ligo o carro e abro o portão de controle remoto. Saio com o carro rapidamente da garagem e fecho o portão.
Durante todo o caminho para o local onde pretendo ir, observo o trânsito atentamente,  de olho especialmente nas motos. Chego ao destino, mas antes de estacionar, dou uma volta pelo quarteirão, para ver se não tem nada suspeito. Só aí estaciono o carro. Saio dele rapidamente, e aciono o alarme...
Para voltar para casa, antes de ir para o carro, observo a rua, em busca de algo suspeito. Entro no carro, e dirijo até em casa. Mais uma vez, antes de entrar, observo o movimento na rua, e só aí, aciono o portão, coloco rapidamente o carro na garagem e já o fecho. Saio do carro, ligo o alarme dele, desligo o da casa, destranco as 3 fechaduras da porta, entro, e tranco de novo a porta. Finalmente em casa...

Parece coisa de maluco, não é?

Mas é assim que muitos de nós estão vivendo. Num constante estado de atenção. É impossível relaxar totalmente em nossas cidades. Na verdade, é impossível relaxar em qualquer lugar. Mesmo nas propriedades rurais, incluindo as mais simples, as mais pobres, não há mais sossego. A sensação de insegurança é incessante. E, pelo andar da carruagem, parece não haver sinal de melhora num futuro próximo.
Nós, que nos preparamos para cenários de crise devemos nos perguntar o que exatamente estamos esperando. Falhas catastróficas dos serviços que mantém os sistemas que nos apoiam são uma possibilidade bastante improvável, embora longe de ser desprezível. Temos que nos preparar para isso também. Mas a nossa situação de insegurança atual não representa já um estado de crise? O que é pior é que não foi algo abrupto. Ela vem chegando aos poucos.
Ainda me lembro que, quando criança, a casa em que eu morava tinha um muro baixo, com um portão sem trancas, e portas com fechaduras simples, que seriam arrombadas facilmente com um chute. A medida em que o tempo foi passando, o muro subiu, as portas foram trocadas, os terraços e janelas foram gradeados, o muro ganhou primeiramente grampos, depois cercas elétricas, portões motorizados controlados remotamente e câmeras com monitoramento via internet foram adicionadas... Sem falar no alarme e do contrato com uma empresa de segurança 24h.
Cidades antes calmas, agora sofrem com todo tipo de crime. Até mesmo ações e armamentos que só veríamos em guerras ou filmes de ação de Hollywood, agora fazem parte da rotina das grandes e pequenas cidades brasileiras.
A maior lição que a insegurança de hoje pode nos dar é que a a maioria das crises que podemos enfrentar não surge de uma hora para outra. Ela leva semanas, meses, anos, décadas. Devemos prestar atenção aos sinais...

sábado, 3 de setembro de 2016

Não! A Crise Hídrica Não Acabou!!

Durante boa parte de 2014 e 2015, a questão hídrica foi exaustivamente discutida, tanto nos blogues e sites sobrevivencialistas, como na imprensa em geral. Três das maiores cidades brasileiras estavam seriamente ameaçadas por um colapso hídrico sem precedentes. Porém, para a sorte de quem vive em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte choveu bastante e os reservatórios de água se recuperaram bem. Certamente, medidas preventivas deveriam ser tomadas, a fim de evitar um cenário como o que vimos recentemente. No entanto, como é de praxe, nada está sendo feito. Se a região Sudeste enfrentar outra seca grave nos próximos anos, com o aumento da população e do uso da água, a próxima crise poderá ser ainda mais séria.
Porém, em algumas regiões brasileiras, especialmente no Nordeste, a crise hídrica ainda é uma realidade. O açude de Castanhão, localizado no Ceará e um dos maiores reservatórios nordestinos, está com um nível perigosamente baixo, a ponto de cidades do interior terem seu abastecimento interrompido, para que a água fosse usada para complementar o abastecimento  da capital do estado, Fortaleza. Houveram protestos por parte das prefeituras das cidades atingidas. Analisando a situação mais friamente, começamos a vero nascimento de conflitos por causa do uso da água. No Rio Grande do Norte, a situação também é bastante complicada. A maioria dos reservatórios do estado está com o nível abaixo de 20%. A capital do estado, Natal, está atualmente em regime de racionamento.
Mas, a situação mais crítica em cidades de médio/grande porte é a de Campina Grande, na Paraíba, onde vivo.
O açude que abastece a cidade está com apenas 7,30% de sua capacidade. Alguns estudiosos em recursos hídricos alertam que o volume que pode ser efetivamente usado não passa de 2%, devido à má qualidade (contaminação por cianobactérias, esgoto e metais pesados e baixa oxigenação) e dificuldade de extração devido à baixa espessura da lâmina d'água,
O que é mais preocupante, no entanto, é que a maioria da população da cidade parece não perceber o quão séria é a situação. Muitos preferem acreditar que as chuvas virão, que "Deus vai ajudar", que o governo vai resolver quando realmente acabar, a transposição do São Francisco vai chegar à tempo (o que seria no fim deste ano, foi adiado para meados de 2017), etc. Sinceramente espero que chova a tempo, e que o manancial se recupere. Porém, se nada for feito no sentido de aumentar a capacidade do açude, e se a população e as empresas não repensarem o uso que fazem da água, esta situação se repetirá.
E se a água realmente acabar? O que acontecerá em uma cidade com cerca de 400 mil habitantes?

Não há como abastecer uma cidade deste tamanho sem água encanada. Então, algum esquema emergencial para trazer água teria que ser montado. Nos anos 30 e 40 do século passado, em situações de emergência, grandes quantidades de água eram trazidas de trem. Hoje, isso não seria possível, devido ao péssimo estado em que se encontra a malha ferroviária paraibana. Aí o abastecimento de emergência teria que ser feito com caminhões pipa. Só que seriam necessários centenas deles diariamente. Aí surgem outras questões:

De onde viria a água?
Quem receberia a água primeiro? Teoricamente, as escolas e hospitais, além das residências deveriam ter prioridade. Mas, como garantir isso? Como garantir que a água não fosse destinada a quem pode pagar mais por ela?
Quem faria o controle de qualidade da água?

Mas, mesmo as indagações acima podem soar, digamos, utópicas. Pois não há NENHUM esquema emergencial elaborado prevendo esta situação. O cenário mais provável, caso o pior aconteça, vai ser um vale-tudo, como o que vemos em regiões devastadas em outros lugares do planeta.
Pretendo escrever outro artigo, mergulhando mais fundo nas consequências de um desastre como esse.
Mas, deixo o seguinte recado:

Infelizmente, futuros distópicos dignos de ficção científica começam a bater em nossas portas. Devemos ficar cada vez mais atentos. O mundo está mudando rápido e o que era extremamente improvável de repente vira realidade. Afinal, ninguém imaginaria que no inverno ártico pudessem ser registradas temperaturas amenas. Mas foi isso que aconteceu no último inverno lá.

Fiquemos de olho! E preparados!