Imagine a seguinte situação:
Você é um turista e está a bordo de um barco à noite, no Rio Amazonas. Como um bom sobrevivencialista, sempre anda com o seu EDC. E como está indo visitar a Floresta Amazônica, está muito bem preparado. Porém, uma tragédia acontece. Enquanto você estava na amurada do barco, relaxado, ele bate em um obstáculo, você perde o equilíbrio e cai na água. Grita por socorro, mas como já é tarde da noite, ninguém viu você cair, e ninguém te escuta. Para o seu desespero, o barco vai sumindo na paisagem. Não lhe resta outra opção senão nadar até a margem mais próxima.
Após alcançar a margem, você está cansado e com frio, pelo contato prolongado com a água. Analisa a sua situação. Nos seus bolsos você tem a sua carteira, seu celular (totalmente inútil) e algumas chaves.Também tem seu relógio. Para o seu azar, a sua faca de sobrevivência desapareceu, provavelmente por causa da queda na água ou então durante a natação. O que você faria?
Em primeiro lugar, você teria que se aquecer, e a melhor maneira seria acender um fogo. Até porque isso também ajudaria a espantar animais perigosos e até funcionaria como um sinalizador para possíveis embarcações. Mas como fazer? Primeiro, você teria que ir para uma área mais seca, pois margens dos rios geralmente são bem úmidas. Para a sua sorte, a mata não é tão fechada e você consegue se afastar alguns metros do rio. Como você tem bastante experiência sobrevivencialista, pensaria em usar atrito para fazer fogo. Mas aí começam a surgir as dificuldades. Como encontrar no escuro galhos adequados para isso? Como cortá-los sem uma faca? Simplesmente não há como fazer isso!
Neste caso, é melhor esquecer o fogo. Talvez você pensasse em um abrigo. Mas, se não há nem como cortar galhos para tentar fazer um fogo, imagine para construir um abrigo! E agora?
Talvez o melhor a fazer seria subir em alguma árvore e ficar esperando o dia amanhecer, para daí, quem sabe, tentar ser visto ou ouvido por alguma embarcação navegando pelo rio. E aí vem a dúvida: Será que tem bichos peçonhentos nas árvores? Será que não é melhor ficar no solo mesmo? Afinal, com a escuridão reinando, subir em uma árvore pode ser arriscado demais. Talvez o melhor seja ficar o mais quieto possível, economizando energia até o amanhecer, pois sabe-se lá quando e se virá algum resgate.
E assim, se passam lentamente horas de uma espera angustiante. O frio das roupas molhadas e as picadas de mosquito são os piores problemas. Sem falar nos constantes e assustadores barulhos desconhecidos da selva noturna. Finalmente o dia amanhece. E, o frio que tomou conta da noite vai dando lugar à um calor escaldante. Você começa a ficar com fome e sede. Não dá para beber diretamente a água do rio, pois ela pode estar contaminada com microrganismos perigosos. De repente, você ver um barco pequeno passando ao longe. Grita, mas ele está distante, e o barulho do motor de popa deve ser alto à bordo. Então, você lembra do celular no bolso. Surge a ideia de usar o reflexo da luz do sol na parte de vidro dele. E não é que dá certo? O piloto do barco vê o brilho e vai em sua direção...
A situação acima descreve o que provavelmente aconteceria com quem caísse na água numa situação dessas. E, mesmo com conhecimento sobrevivencialista, à noite, sem nada para usar, não haveria muito o que fazer. E, quanto ao reflexo do celular, isso também exigiria um bom punhado de sorte, pois vários fatores estão envolvidos, como a posição do sol e a percepção das tripulações de barcos (se é que passaria algum), reflexo do sol na água, etc.
Mas talvez o mais importante que devemos perceber é que muitas vezes a atitude mais eficiente é simplesmente esperar, não fazer nada. Imagine se você fosse tentar subir numa árvore à noite, caísse e quebrasse uma perna? Imagine se você tentasse se deslocar pela mata à noite, gastando muita energia e correndo o risco de ser atacado por animais peçonhentos ou de simplesmente ficar frustrado por não conseguir atravessar a vegetação?
Claro que, com o passar do tempo, se um resgate não aparecesse, você seria obrigado à agir para, ao menos, encontrar comida e água que pudesse beber. Mas imagina-se que em uma situação dessas, a alimentação teria que ficar restrita à eventuais frutas (ou talvez um ou outro tapuru ou inseto). A água talvez viesse das constantes chuvas (se bem que ultimamente algumas regiões da Amazônia tem enfrentado secas severas). Seria bom também desejar que a mata não fosse tão fechada, a ponto de impedir a passagem de alguém sem um instrumento cortante para abrir trilhas...
Ao contrário do que mostram a maioria das publicações sobrevivencialistas, muitas das quais exaltam o fábrico de instrumentos improvisados, preparo de armadilhas, acendimento de fogo por atrito, entre outras habilidades, dando a entender que uma situação de sobrevivência exigiria muita ação, a dura verdade é que precisaremos é de extrema paciência, extrema frieza, extremo bom-senso. Claro que é importante ter diversas habilidades, mas, mais importante ainda é perceber que existem situações nas quais será impossível utilizá-las.
A sobrevivência não é um show. Não é divertida. Os momentos de ação, em qualquer cenário, serão pouquíssimos. A inação, a espera e a paciência é que serão a regra em situações de crise.
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