Qualquer pessoa pode vir a se tornar um saqueador. Depende da situação. Imagine que você está numa cidade devastada por um desastre natural, onde não há água, luz, comunicações, polícia e outros benefícios da vida civilizada. Você e sua família estão com fome e sede. Mesmo que você vá à um supermercado e queira pagar por recursos, não há como, pois os sistemas de computadores que controlam as transações financeiras estão desligados. Então, você, sua família e milhares de outras pessoas não veem outra opção a não ser pegar à força o que estiver ao alcance, para não morrer. O desespero é tamanho que você pouco se importa com os riscos. Guardas armados, cercas, portas gradeadas, nada disso será obstáculo se você estiver com fome e sede, com seus entes queridos na mesma situação.
Os guardas até tentam conter o avanço dos desesperados, primeiro atirando para cima, depois atirando para matar. Mas as pessoas desesperadas são muitas e logo os guardas são dominados, soterrados, pisoteados pela avalanche de gente. Depois do saque, nenhum item sobra nas prateleiras. De ferramentas à comida de cachorro, passando por todo e qualquer produto, tudo é levado.
Enquanto isso, nos bairros da cidade, dava para escutar a intensa troca de tiros, e dava para ver as colunas de fumaça ao longe. Grupos de pessoas se organizaram e passaram a saquear casas sistematicamente. Alguns proprietários, que haviam guardado mantimentos preventivamente, tentavam resistir. Armados até os dentes, não hesitavam em matar quem se aproximasse de suas propriedades. Então, talvez por desespero, talvez por pura maldade, os atacantes jogavam bombas incendiárias nas casas...
Isto aconteceu em Nova Orleans, nos dias em que se seguiram à fúria do furacão Katrina, e também em vários outros locais vitimados por calamidades ao longo dos últimos anos.
As situações descritas acima foram extremadas, onde houve um total colapso das estruturas que mantem a civilização coesa.
Mas a pergunta é: Estamos realmente preparados para lidar com saqueadores?
Não precisamos de um Katrina para passarmos por situações perigosas envolvendo saqueadores. Até porque, muito embora a maioria das pessoas só recorreria à saques como última medida desesperada, existem pessoas sem escrúpulos, que o fariam por causa de certos produtos de valor, ou simplesmente pela "diversão". Além disso, saques geralmente são só um componente de distúrbios mais generalizados. Junto com os saques, costuma haver vandalismo, agressões físicas como espancamento e estupro. Não raro, ocorrem até mesmo assassinatos.
Estamos passando por um período propício às grandes manifestações. Muitas vezes, elas reúnem milhares, ou até mesmo milhões de pessoas nas maiores cidades. E, à exemplo do que ocorreu no Rio de Janeiro, nas manifestações contra o aumento das passagens em 2013, houveram muitos casos de vandalismo, saques e violência. Principalmente nesses casos, os saques são atos premeditados, feitos por pessoas que não estão desesperadas.
Em situações de crise, de colapso, os saques certamente serão inevitáveis. No começo, serão pessoas que se aproveitarão da inexistência de forças de segurança. Depois, quando a fome e a sede começarem a agir, aí serão quaisquer pessoas...
E aí vem as inevitáveis perguntas: Até onde você iria para proteger a sua casa/apartamento/refúgio de um saque? Você chegaria ao ponto de matar pessoas? E se os saqueadores fossem crianças famintas e desesperadas, você atiraria para matar? Ou você fugiria? Abandonaria tudo o que você guardou durante meses ou anos? Como você se sentiria ao fazer isso?
Se você se preparou, preparou um refúgio, quando o desespero atingir as pessoas e elas perderem todo e qualquer limite, você ainda estaria ao menos bem alimentado, e dono de suas faculdades mentais.
Na teoria, a gente pensa, ou elas ou eu. Mas na prática, para a maioria das pessoas, é muito difícil matar, especialmente os que seriam considerados mais frágeis num mundo civilizado, como crianças ou velhos.
Não vamos nos iludir. No caos, qualquer pessoa, até mesmo os preparadores, podem ser vítimas de saques (e outras situações perigosas). Mas acredito que essa possibilidade é muito maior quanto mais gente estiver no local. Acredito que todo sobrevivencialista que mora em grandes aglomerações humanas deva ter como objetivo viver em cidades menores, ou até mesmo em áreas rurais.
Acredito também que fazer de tudo para evitar enfrentamentos deva ser a estratégia a adotar. Ser o mais discreto possível (mesmo nos dias atuais) aumenta muito a possibilidade de se escapar de problemas.
Pense em tudo isso quando for se preparar. Armas são importantes, e podem garantir, em determinadas situações, a sua sobrevivência. Mas não ache que elas são a solução para tudo. Lembrem-se que algumas pessoas treinadas para matar, como policiais ou soldados, sofrem um impacto psicológico tremendo quando o fazem. Lembrem-se que armas são inúteis quando uma multidão ensandecida ataca. E acima de tudo, lembrem-se que por mais bem armado que um civil (especialmente aqui no Brasil) possa estar, em cenários de crise podemos esperar que, por exemplo, militares, armados com fuzis automáticos, veículos blindados e canhões, possam se tornar saqueadores. É claro que eles procurariam eliminar qualquer foco de resistência, e muito facilmente.
Um preparador precisa manter sempre os pés no chão. Não somos Rambos. Somos pessoas comuns...
Nenhum comentário:
Postar um comentário